sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Mientras comprabas cigarrillos

Tentou se lembrar de quando havia começado a comprar livros para sua estante e não para si. Tentou se lembrar da cor da estante-seis-prestações-sem-juros. Seria Matias o nome do porteiro do seu prédio? Ou talvez Matias fosse o homem ocupando dois terços da sua cama e fração nenhuma da sua vida...
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Desligou o despertador, deu-lhe o pagamento a Matias ou Mateus ou José, vestiu a cara que melhor combinava com os sapatos e saiu sem cumprimentar Lúcia, a porteira.

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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Pulp Literature #1

toilers_of_the_sea_02 Palavras são tudo. Tudo aquilo que existe e que não existe, tudo aquilo que cria e é criado, destrói ou é destruído. As palavras são tudo,  e quando digo palavras não estou querendo dizer o som delas sendo faladas ou a tinta delas escritas, mas elas em si. Existe um teoria de que se fossemos dividindo todas as coisas em suas partículas fundamentais, reduzindo os átomos a elétrons, prótons e nêutrons, e esses em partículas sub-atômicas, como quarks, chegaríamos num ponto em que descobriríamos que toda a matéria – e também a energia – é constituída simplesmente de informação. E é isso que as palavras são, elas são a informação em sua forma mais misteriosa e perfeita. Existem também aqueles que tendem a relegar aos números uma importância maior, os pitagóricos já diziam que todo o universo pode ser entendido por números. Talvez eles estejam certos quando dizem que os números explicam, mas são as palavras que criam. E é exatamente isso que elas fazem, as palavras são invencíveis e indestrutíveis, elas são a força criadora, mesmo quando agem através da destruição. Não se pode matar uma palavra, elas podem ser esquecidas, podem ceder lugar a palavras novas, podem até mesmo não significar nada – coisa que facilmente deixaria qualquer número, mesmo o mais tímido zero, indignado – mas são as palavras que carregam em si o poder de alimentar esperanças e quebrar corações. 

***

Ele ainda não tinha contado para a mulher, mas ia morrer. O médico não lhe dera falsas esperanças: “Se formos muito otimistas, seis meses, mas o mais provável é que não passa da metade disso”. Na verdade isso não o surpreendera, as últimas semanas haviam sido de dor excruciante, com dezenas de exames que não descobriram o que o afligia, quando descobriram já era tarde demais, mas pelo menos agora a dor havia sumido, provavelmente graças à morfina. A esposa achava que ele já estava se recuperando. Se fosse mais jovem provavelmente ia usar essa situação como desculpa para fazer centenas de coisas que nunca fizera, mas agora, já perto dos seus noventa anos, não conseguia mais pensar assim, talvez porque não quisesse realmente fazer nada mais além daquilo que já tinha feito, ou talvez simplesmente porque os impulsos da juventude haviam passado a muitos anos e não conseguia mais ver como divertida uma coisa apenas porque nunca a tinha feito. A mulher o olhou interrogativamente enquanto enchia a xícara, estavam no café da manhã. Ele não podia dizer que a vida fora fácil, isso seria uma grade hipocrisia, nunca tivera um emprego fixo, fora pedreiro, caminhoneiro, até mesmo chegara a trabalhar como carregador em um porto, na época em que eles funcionavam de uma forma muito diferente, se aposentara quando não tinha mais condições de continuar com trabalhos como esse, vivia da ajuda dos filhos, tivera com sua mulher dois filhos e duas filhas, o filho mais novo morrera, assassinado, fora um grande choque para toda a família, desde que descobrira que estava à beira da morte pensara muito no filho morto. Tivera também um filho fora do casamento, não fazia idéia da vida que ele poderia estar levando, se é que ainda estava vivo, podia muito bem já ter morrido de velhice, já que nascera quando ele ainda era muita jovem, antes mesmo de conhecer a esposa. A vida conjugal em si também não fora nenhum mar de rosas, mas na verdade nunca é, não é mesmo? Desde que se aposentara a mulher decidira que era hora dele retornar todo o trabalho que ela tinha tido com a casa ao longo dos anos, por isso a aproximadamente três décadas ela não fazia nada, toda a tarefa doméstica era função dele, ele na verdade não se importava muito com isso, se não tivesse essas atividades provavelmente se entediaria, mas agora se preocupava em como a esposa iria sobreviver depois que ele morresse, os filhos não tinham realmente muita paciência, eles tinham as próprias vidas para levar, não é certo que os pais queiram ser um fardo assim tão pesado para os filhos apenas por que estão envelhecendo. A mulher não o amava a anos, e talvez ele também não pudesse mais dizer que a amava, eles apenas suportavam aquela pessoa com a qual tinham aprendido a viver por mais de cinqüenta anos. Mas apesar disso ele não imaginava sua vida longe dela, em algum ponto de suas vidas os dois haviam se amado, se é verdade que hoje brigavam a ponto dele não duvidar que ela de certa forma desejava que ele morresse, também é verdade que se entendiam, e que a companhia que faziam um para o outro era – ao menos para ele – uma das poucas coisas que ainda podiam fazer com que a vida valesse a pena mesmo depois dos noventa anos, mesmo depois de ver os seus netos crescidos. Foi naquele café da manhã que percebeu como queria viver os dias que lhe restavam. Ao contrário do que esperava, não iria fazer nada demais, iria continuar a levar a vida como já vinha levando a alguns anos, só que agora com a ajuda de um pouco de morfina de vez em quando. Depois de decidir isso ainda pensou em voltar atrás, “existem tantas coisas para serem feitas, por que desperdiçar o pouco tempo que me resta?” mas na verdade nem sabia como fazer isso, nunca iria se decidir sobre o que gostaria de fazer além daquilo que normalmente fazia. Pensou em escrever um livro, mas não, não lia nada a mais de uma década, nunca fora muito próximo das palavras, ou de qualquer arte. Pensou em rever os amigos de longa data, até mesmo tentou contatar os que acreditava ainda estarem vivos, não estavam, exceto um, mas esse sequer lembrou dele pelo telefone, ele suspeitou que aquele não deveria lembrar mais de nada, não conseguia realmente formar frases que fizessem muito sentido. Talvez isso seja uma daquelas coisas que vêm com a idade, ele mesmo se desacostumara a falar, quando pronunciava alguma palavra se assustava com o ruído cavernoso que saía de sua boca, de sua garganta velha e seca. Se pudesse, naquele momento, teria escolhido morrer antes, quando ainda amava a mulher e quando os amigos eram em sua cabeça pessoas sorridentes, e não com aquele ar solene que todos inevitavelmente tem ao serem colocados em seus caixões. Continuou com sua vida normal, por escolha própria mais do que por falta de opção, por coragem mais do que por medo. Viveu ainda quatro meses, deixou para trás uma mulher em lágrimas – que morreria não mais que um ano depois – e partiu desse mundo num belo e brilhante caixão preto.

***

Lá estava ela sentada frente-a-frente com ele. Ele podia dizer pelo olhar dela como a expressão no rosto dele deveria ser de total embasbacamento. Os olhos caíram no grande estojo que ela colocara ao lado dela. Ele não tinha mais nada que pudesse perguntar:

- Isso é um violoncelo?

Ela riu. Era uma risada bonita, alegre, mas combinada com os olhos dela não podia deixar de ser um pouco suja. Ele duvidava que a irmã risse daquele jeito. Ela vestia uma camisa xadrez, parecia muito jovem, bem mais jovem do que a irmã dissera que era. Mas ele tinha certeza que essa era a pessoa certa, era a pessoa que estava procurando. Não tinha muito porque se preocupar então, não é? Afinal, isso só estava acelerando seu trabalho, de alguma forma. Mas então ela começou a falar e ele começou a se envolver. Falaram de música, do violoncelo e depois de generos musicais que não costumam usar esse instrumento, depois dança, depois teatro, depois cinema e então literatura, na progressão que se espera para esse tipo de conversa. Pularam as artes plásticas, a filosofia e a política, não são realmente os melhores assuntos para se discutir naquela situação, no lugar disso falaram de cozinha, acabaram comendo comida japonesa juntos. Ela realmente não parecia estar com a menor pressa, e ele se sentiu surpreendentemente confortável com isso. Depois de jantarem ela deu para ele o número de telefone, sem que ele sequer precisasse pedí-lo. No fim da noite ele sabia quais os filmes que ela mais gostava, seus escritores e bandas preferidos, sabia onde ela iria tocar no próximo fim de semana e até mesmo aprendera um ou dois truques para o violoncelo, mas não fizera nenhuma das perguntas que supostamente havia sido contratado para fazer.

***

Só uma notinha rápida, desculpem os possíveis erros gramaticais nessa postagem, assim como na minha anterior, estou tendo alguns problemas para me adaptar com o Windows Live Writer, apesar disso ele é um programa muito bom para fazer postagens em blogs, fica a dica. Ah, e Feliz Ano Novo para todos, sejam Iridescentes sejam leitores! Até a próxima!


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