quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Detetive particular

Detective__s_Office_by_etwoo Naquela época do ano o pequeno cubículo ficava muito abafado, apesar de lá fora o tempo não estar tão ruim, afinal, era outono. O ventilador de teto não ajudava de forma alguma, tinha pifado alguns meses atrás, e agora fazia pouco mais do que posar como uma peça de cenário de um filme noir. Ele mesmo era uma figura que não faria feio em um desses filmes. O topete parecido com o que Elvis usara na juventude e a roupa social um pouco surrada, um pouco desleixada, provavelmente de propósito. Não era o tipo de coisa que se descartava completamente quando se conhecia melhor a sua personalidade. Pela janela entrava a luz alaranjada de um daqueles pores-de-sol que só se pode encontrar no outono, e naqueles raros dias em que o céu não está nublado. Dos livros que deixava ali no escritório quase todos eram policiais, achava que eles o ajudavam a entrar no clima. Mas nos últimos tempos havia pouco clima no qual entrar fora dos livros. Se metera naquela profissão por influência do velho, seu avô, que fora um dos grandes detetives particulares no tempo em que isso ainda significava glamour e uma boa dose de casos sérios. Herdara tudo que tinha do velho, até mesmo aquele escritório era o mesmo,  nem sequer se dera ao trabalho de mudar o sobrenome na vidraça depois que ele morrera. Pensou em ligar o rádio, mas era dos antigos, apenas pegava as estações, e nada que tocasse nas estações realmente o agradava nos últimos tempos, seu avô dissera que aconteceu o mesmo com ele quando, nos anos 60, sempre que ligava o aparelho ouvia um britânico gritando alguma coisa que deveria ser música do outro lado do atlântico. Quando ele veio morar com o velho, nos anos noventa, a situação ainda parecia ser a mesma.
Sendo assim é possível imaginar a surpresa dele quando a porta se abriu. Não tinha uma secretária desde que a que era empregada pelo avô se aposentara, alguns anos antes. De fato, ele não sabia exatamente o que fazer quando a jovem de cabelos loiros entrou no escritório, só pode imaginar que se tratava de um engano, ela deveria ter aberto a porta errada, apesar do anúncio na vidraça, no mesmo prédio existiam várias outras salas que serviam de escritórios para advogados, profissionais duvidosos e até mesmo um consultório de dentista. Ela parecia ter um sorriso perfeito, não deveria ser para o dentista. Se olharam nos olhos por alguns segundos, o reflexo do sol impedia que ele discernisse com exatidão a cor dos olhos dela, simplesmente sabia que eram claros. Era bonita, como as mulheres que vinham procurar seu avô nos tempos áureos da profissão. Ele nunca realmente acreditara nas histórias que o velho contava sobre as mulheres estonteantes que lhe traziam casos fascinantes, mas agora começava a achar que não era assim tão impossível.
No dia seguinte lá estava ele no pequeno restaurante de comida japonesa, numa praça bem agradável, comendo um donburi. No seu intimo sabia que os restaurantes haviam escolhido esse nome para não batizar o prato de Gyudon deliberadamente. Embora fossem a mesma coisa, com esse nome podiam enganar mais pessoas. O gosto não era dos melhores, era basicamente comida japonesa para quem não tinha dinheiro para comprar nada melhor. Mas ele não podia reclamar, era bem barato, e se tudo desse certo, comeria bem melhor depois de resolver esse caso.
No momento em que pôs os olhos nela soube que era a pessoa que estava procurando. Tinha semelhanças visíveis com a irmã. Os cabelos eram tanto mais longos e era um pouco mais magra. Era fácil perceber que era a mais nova. Os olhos eram azuis – será que os da mais velha também o eram? – límpidos como um lago do norte, um lago raso. Nisso viu uma diferença, os da outra eram profundos, fáceis de se afogar. Mas aqueles olhos rasos não a tornavam menos interessante, era como se a sua alma estivesse despida, sem medo. Outra coisa lhe chamou a atenção. Nas costas a moça carregava um instrumento musical. O estojo era pequeno demais para ser um contrabaixo acústico – ele tinha até mesmo dúvidas se aquela pequena criatura conseguiria carregar um – então provavelmente era um violoncelo. Ele estava tão absorto em analisa-la que deixou de lado uma das coisas essenciais quando um detetive está fazendo uma observação – uma campana – ele deixo que ela percebesse o que ele estava fazendo. Quando ela sorriu para ele não teve outra reação se não retribuir. Mas a expressão dela mudou, como se uma interrogação passasse por sua face. Ela se dirigiu até ele, e ele tentou pensar no que dizer quando ela chegasse. Ela puxou uma cadeira e se sentou. Ele não havia conseguido pensar em nada.
***
Eu não costumo dar muito valor a datas comemorativas, mas tenho que admitir que essa época do ano é importante para mim. Pode parecer meio que um clichê, mas é um tempo bom para refletir sobre o que esse ano significou para mim, o que eu aprendi e coisas do tipo. Isso fica bem claro se você considerar que sempre nos fins de ano gravo Cds para as pessoas que considerei mais importantes para mim naquele ano. O valor que relaciono a essa época não esta relacionado ao natal ou mesmo ao ano novo, mas sim ao fim do ano em si, por isso costuma começar lá pela metade de novembro e acabar em algum momento das férias no qual esteja distraído demais com leituras divertidas e coisas do gênero para me preocupar com repensar as lições que aprendi. Acho que a lição mais importante que levo desse ano se relaciona a pessoas, mas não posso dizer com certeza que foi um aprendizado completamente positivo, em parte foi, sem dúvida, mas acho que acabei exagerando um pouco demais, como é do meu feitio, vocês bem devem saber. Até o começo desse ano eu era muito dependente de pessoas, na forma mais geral possível do termo. Era com elas que eu aprendia tudo, e com elas eu me divertia. Posso dizer sem muito risco que grande parte do meu dia-a-dia dependia de outras pessoas, até mesmo da aceitação delas, especialmente daquelas com as quais eu simpatizava. Eu valorizava aquilo que os outros iriam pensar muito mais do que aquilo que eu pensava. Isso me causava problemas, e desconforto, insatisfação. Alguns anos antes haviam me dito que eu não ligava para o sentimento das pessoas, o que até podia ser verdade, mas eu gostava das pessoas, como entidade abstrata que representa a humanidade pelo menos, então passei de um extremo para o outro.
Mas aí a situação fica curiosa. Apesar de tudo eu em momento nenhum deixara de ter pensamentos próprios, uma visão de mundo pessoal, já que, como muitos de vocês devem saber, eu acho que todos temos a capacidade de pensar por si mesmo, criar coisas pessoais. Pode parecer um pouco contraditório, mas não é tanto assim, muitas pessoas fazem isso. Mas acho que conforme fui, nesse ano, sendo obrigado a explicar muitas coisas nas quais acredito, desenvolveu-se em paralelo um processo no qual o carinho que tinha pelas pessoas foi diminuindo. Mesmo hoje não penso que eu sou o dono da verdade e que todas as outras pessoas estão erradas, até porque a minha filosofia de vida se baseia na crença de que eu estou fundamentalmente errado, buscando coisas impossíveis, mas que valem a pena ser buscadas, mas isso fica para outra oportunidade. Mas, ainda assim foi aumentando em mim a sensação de que todas as pessoas tem um potencial incrível para a idiotice, e para me deixar desconfortável. Recentemente, ao conversar com amigos muito queridos senti esse desconforto, e isso me alarmou bastante. Não sinto remorso algum ao constatar que uma boa quantidade de pessoas simplesmente não me faz bem, não vale o meu tempo nem o meu esforço para construir uma amizade, mas é um tanto doloroso que aquelas com as quais a amizade já está fortemente consolidada sofram com respingos de antipatia direcionados a outras pessoas. É nesse ponto que entra o tal “contrato social” que um amigo(?) gosta tanto de citar. Eu não nego a existência desse “pacto” mas para mim a natureza dele é completamente diferente da que parece ser para ele. Esse “contrato”, na minha concepção, divide as pessoas em dois grupos: aqueles que “valem a pena”, com os quais é possível se formar uma amizade verdadeira e, por isso, deve tornar as pessoas mais próximas, afinal, se sou amigo de alguém posso falar com essa pessoa sobre o que bem entender, de forma franca e leve; e as pessoas que “não valem a pena”, e essas são aquelas quais, pelo menos atualmente, eu pouco me importo com o que pensam de mim, e sem dúvida é a grande maioria das pessoas com as quais eu convivo, para com essas pessoas pouca diferença fazem os excessos de cuidado. Eu não estou dizendo que seja impossível que uma pessoa “fora do contrato” entre nele ou que aconteça o contrário, e muito menos que algumas pessoas devem ser tratadas mal, mas simplesmente que nos preocupar demais com o que as pessoas acham de nós costuma não ser algo muito bom, o que nos leva de volta às reflexões de fim de ano. Se durante um ano se vai de um extremo a outro é sinal de que alguma coisa está errada, é exatamente o tempo para repensar as nossa atitudes durante o ano –e tentar encontrar um ponto de equilíbrio - que essa época nos oferece.
***
Você é minha droga. Fico inquieto quando estou em abstinência. Espero por algum sinal – qualquer sinal – enquanto leio páginas e mais páginas de livros, sem realmente prestar atenção nas palavras. Você me transformou, me viciou. Não, não, estou mentindo, já era viciado muito antes, viciado em outras pessoas, outros prazeres. Agora minha santidade me surpreende, minha pureza se conserva em meus olhos vermelhos, enquanto espero através das madrugadas uma visita, algumas poucas palavras. Meu caso, no entanto, nunca antes foi tão grave. Agora me vejo vítima de horas e horas de tédio todos os dias. Minha consideração pela humanidade se resume à minha consideração por você. Preciso de você. Mas meus apelos não fazem diferença, não importa o quanto eu peça, sei que seu espírito não me pertence, sei que não sou eu quem vai definir quando você vai me responder e como será essa resposta. Já esperei por muito tempo, nada me impede de esperar mais, de encontrar outras pessoas, pessoas que jamais vão me saciar, a não ser que ajam exatamente como você. Seria necessário muito tempo para explicar, e sem dúvida você sabe como consigo fazer com que minhas palavras percam o sentido quanto mais eu falo. Você me lê, isso me faz depender de você.
***
Que bom que outras pessoas finalmente estão postando no blog! Espero que nessas férias o movimento aqui pelo Irid’s aumente. E aproveito para desejar a todos um Feliz Natal!

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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Quebrando o monopólio Emannoelístico

Ia postar um texto mais sério que eu tenho escrito em doses homeopáticas sobre direitos humanos, mas sai dessa brisa, Roger.


Tô aproveitando o ensejo das férias para assistir a filmes do bem e ler livros sem teor acadêmico como a maior parte dos RIanos, acredito, porque Deus nos livre. E como alguns dos primeiros são bons o suficiente para eu indicar, ia ser segregacionista e enviar e-mails a alguns t-nonos seletos falando sobre eles; mas depois pensei: por que não escrever no iRIdescentes, que tem/tinha um público maior, e de quebra interromper o monopólio de Emanno for the sake of it? Talvez esses filmes não sejam novidade para vocês como foram para mim, que moro numa cidade onde as coisas não acontecem, mas fica a dica.

Engraçado como os filmes que tenho assistido têm uma relação estreita com música, uns mais, outros menos, e tratam de gente perdida, que não sabe qual rumo tomar na vida – RIanos nem se identificam... Entre os que eu assisti recentemente, dos que gostei mais foram ‘A Partida’ e ‘Apenas Uma Vez’.

O primeiro é japonês e ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2008:



O seu enredo tinha um grande potencial para fazer dele uma novela mexicana, afinal o personagem principal foi abandonado pelo pai e lida constantemente com a morte, presenciando velórios sucessivos; mas alguns momentos cômicos pontuais que permeiam o filme, aliados ao drama de fácil identificação das personagens, extremamente envolventes, tornam-no de certa forma “leve” e cativante. No início da trama, o desafortunado protagonista se vê sem um norte: a orquestra da qual fazia parte tocando violoncelo é dissolvida e ele, obrigado a procurar uma outra atividade que traga sentido à sua vida - sentido esse que até então, descobriu depois, nunca houve. Uma reviravolta se dá com o personagem voltando às suas origens, à maior simplicidade da vida no interior do Japão, onde sua mãe havia lhe deixado uma casa como herança e local em que ele passou a realizar uma atividade a princípio recriminada como indigna pelo seu entorno e até por ele mesmo.
Incrível como tudo nesse filme é bonito e comovente e me faz ter orgulho de ter, em parte, ascendência japonesa. Difícil não se deixar tocar pelo ofício nele exposto, que não vou detalhar aqui, e pelo drama familiar entre as personagens, sobretudo aquele concernente ao protagonista e o seu pai, um inexplicável. Se você não ficar com os olhos marejados durante a cena final, a do reencontro, você tem uma pedra áspera no lugar do coração – ou não entendeu o que aconteceu.

O outro filme, ‘Apenas Uma Vez’, passa-se em Dublin, Irlanda, e trata de uma relação de amizade entre um talentoso músico de rua, que havia sido abandonado por sua namorada, e uma imigrante de origem tcheca, também amante de música, tentando ganhar a vida e o sustento de sua família na cidade. A sinopse que eu havia lido sobre esse filme era enganadora: dava a entender que se tratava de uma “romance” açucarado – tipo que não faz o meu gosto, de verdade. Mas como envolvia música e um assunto de caráter internacionalista, acabei dando uma chance a ele – e não me arrependendo no final.



O filme expressa muito bem o poder agregador da música, de como a sua linguagem universal tem a capacidade de unir as pessoas. Um tesão ver o protagonista indicando os acordes a serem tocados de uma canção escrita por ele em que a outra personagem acompanha tocando piano e fazendo a segunda voz, tudo isso numa loja de instrumentos musicais; o resultado dessa química natural existente entre os dois, que é a música “Falling Slowly” (que rendeu um Oscar), é surpreendente. O resto do filme mostra o drama desses personagens, de como ele se acomodou após o abandono pela namorada e de como a amizade da protagonista, conquistada através da música, foi importante na superação dessa fase na vida dele; a expectativa de uma possível relação amorosa entre os amigos e o processo de criação musical.

Acho que não preciso falar que a trilha sonora de cada um dos filmes mencionados é sensacional.
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Descobri essa música por acaso na net, ignorem a montagem tosca. Richard Thompson cantando com seu filho, Teddy Thompson, “Persuasion”:


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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Don't give up love tonight

Não, eu não sou assim, sei muito bem o que eu quero dela, e o que quero envolve muitos beijos, uma boa dose de gemidos e alguns suspiros.
***
De fato, eu não sou o tipo de pessoa que os outros gostam. Nem sequer tento ser esse tipo de pessoa. Cresci sendo chato e me acostumei bastante bem com isso nos últimos tempos. Muitas das pessoas que me cercam hoje tem dificuldades para lidar com a minha sinceridade, que conservo sem realmente ligar para "contratos sociais" ou para o quão ofendido alguém pode ficar por conta das minhas observações. Essas mesmas pessoas costumam ter problemas com o meu humor, na verdade, nesse caso, não as culpo. Meu humor é uma coisa bem curiosa, que muitas vezes não pode ser entendida, e não consigo explicar sem ficar com a sensação que só devo ter tornado as coisas ainda mais incompreensiveis. Você precisa de um bom tempo convivendo perto de mim para finalmente começar a entender minhas piadas. Mas a maioria não fica por perto por tanto tempo. Não que eu seja anti-social, de forma alguma, a maioria das pessoas até pode gostar de mim inicialmente, mas acho que rapidamente elas ficam ofendidas com alguma pequena besteira que falei, ou por que tentei ser (falsamente) solícito, ou por acharem que é só mais bobagem quando na verdade estou falando algo sério. 
Mais recentemente, porém, descobri outro "problema". Minhas crenças pessoais. Eu reconheço que pode até ser feio ou exagerado da minha parte, mas não consigo ver com bons olhos aquelas pessoas que não pensam por si mesmas nem mesmo nas pequenas coisas. Não que seja errado acreditar naquilo que outros já falaram, mas seguir cegamente algo só por que alguém que você admira falou que as coisas funcionam assim é burrice. Uma burrice tão grande quanto achar que as pessoas não podem ter ideias originais e boas, ninguém precisa fundamentar suas crenças em coisa alguma, não é só por que nenhum filósofo grego está na base da sua filosofia de vida que isso a torna pior que qualquer outra. E tentar humilhar ou denegrir uma filosofia pessoal deveria ser visto como uma ofensa tão grave quanto qualquer tipo de preconceito. E isso por que nem comecei a falar de fé.
Mesmo que todas essas barreiras sejam transpostas aparece mais uma: Eu simplesmente não sou uma pessoa de convívio fácil. Posso ter conversas metafísicas por horas, mas pouca coisa além disso e de algumas bem mais curtas sobre coisas das quais gosto. O resto do tempo é de uma falta de habilidade expressiva para lidar com pessoas reais, talvez por isso a fuga para personagens ficcionais. Talvez por isso tento conhecer o máximo das pessoas com algumas poucas trocas de olhares e palavras, tento chegar ao mais fundo de suas almas antes que elas se tornem inacessíveis para mim, talvez por isso me apaixone pelos pequenos detalhes de suas personalidades; simplesmente para transformar essas pessoas em música e em personagens. Mas chega de desabafos por hoje.
***
- Sabe, eu não acredito em nada disso. Essas coisas nunca acabam bem, não existe isso de final feliz.
Por mais que eu soubesse que ela não acreditava em finais felizes aquilo me surpreendeu um pouco, talvez por que para mim aquilo era algo duro demais para se dizer, eu nunca perdera a esperança de que por mais complicado que fossem as coisas iam dar certo no final.
Eu vivia recebendo meus amigos em casa, era quase como Friends, eles iam e vinham sempre, e eu sempre tinha um bule de café esperando por eles. Não era raro que todos nós oito nos encontrassemos ali na minha casa, as portas estavam sempre abertas, mas hoje éramos só eu e ela. Os outros chegariam mais tarde, sem dúvida, afinal ela viera muito cedo, me fez levantar da cama. e também não era a primeira vez que acontecia, embora fosse a primeira vez com ela. Eu sempre me dispunha a ouvir o que eles tinham para dizer, e sempre que vinham cedo como ela estava fazendo era por que tinham algo importante para desabafar. 
Ela era uma das minhas amigas mais estáveis, nunca imaginaria que um dia ela também iria precisar de uma xícara de café assim tão cedo. Mas o problema não era com ela mesma, mas sim com uma amiga em comum, uma das que certamente passariam pela minha casa mais tarde naquele dia. Elas eram muito próximas e a que estava aqui agora se preocupava que a outra iria se machucar.
- Talvez você esteja certa, talvez não dê para conseguir um final feliz, mas também não vale a pena se preocupar com isso, você é uma daquelas pessoas que adora aproveitar o momento, talvez ela se machuque, mas não somos nós que devemos querer mudar o que ela pensa, como ela age. Se for pra sofrer, que sofra, nós dois sabemos que as vezes isso é necessário, que as vezes um sorriso e cinco minutos de liberdade fazem com que tudo valha a pena. Por que começar a se preocupar com isso agora?
- Talvez estejamos ficando velhos demais pra essas coisas, talvez esteja chegando a hora de nos acalmarmos.
Depois dessa nós dois rimos, sabiamos que aquilo era uma mentira, pelo menos parcial, que nunca nos aquietariamos, mas no fim das contas aquela conversa não mudou nada na vida de ninguém.
***
Maybe I wasn't right
N' things might not be good
But I won't give up love tonight
Don't be rude as I try to be nice
Don't try to lose
While I try hard to find
Love for more than a night
Please love me madly
'Coz I want you badly
And I won't give up love tonight
Don't you give up love tonight

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sábado, 20 de novembro de 2010

Feijoada Búlgara (Ou algumas razões e dúvidas)


Alguns meses atrás, em uma conversa com uma amiga que sabe que minhas intenções literárias são prioritárias a outras no que se refere a carreira ela me disse que eu não tinha nenhum dos três vícios do escritor. Bebida, cigarro e café. Isso ficou um pouco na minha cabeça, não concordo que os vícios de escritor sejam esses – cadê o sexo e as drogas? – mas tudo bem, vamos considerar que sejam esses. Já a alguns anos um amigo, com o qual eu não falo a algum tempo na verdade, havia me desafiado a encontrar um escritor do qual eu goste que não seja, nas palavras dele, um bêbado, e nisso enquadrando esses vícios anteriores. Na verdade é bem difícil encontrar um que não bebesse, mesmo entre os clássicos, de forma alguma. Entre os mais recentes é um trabalho um tanto difícil encontrar algum que não bebesse morbidamente. E de fato eu não bebo, não muito, não com muita freqüência, não gosto de beber, do gosto da coisa em si. Esse amigo sempre usou isso como argumento para justificar por que eu nunca seria um bom escritor, nunca conseguiria fugir dos meus temas-padrão.
Então vem o cigarro. Esse é complicado.  Eu tenho plena consciência que seria hoje um fumante, se não por outro motivo, pela estética da coisa, pelo ar cool e noir que o cigarro pode dar a uma pessoa. E eu sempre gostei de filmes noir. Mas isso não aconteceu, e eu realmente não creio que vá acontecer. Não é mistério nenhum que quando tinha 11 anos meu pai morreu vitima de um câncer, causado pelo consumo excessivo de cigarro. Então prometi para mim mesmo que não ia fumar. Até agora tenho sido muito bom em manter promessas, não pretendo começar quebrando logo essa. Todos os meus amigos que poderiam me influenciar para fazer isso em um momento mais crítico – e eu tenho esses de vez em quando – sabem dessa história e decidiram me apoiar, então acho que estou bem, for the time being.
E, finalmente, o café. Na época que me classificaram fora desses vícios realmente não tomava café. Hoje todos os dias – ou noites – ele está lá, numa xicrinha. Tudo começou quando decidi parar de beber refrigerantes. Não por um motivo especial, talvez só estivesse procurando uma pequena mudança nesses dias que parecem tão esquisitos dentro de um daqueles globos com paisagens congeladas dentro, e neve. Ou talvez porque na minha cabeça já consumi refrigerante suficiente para derreter meus ossos, de fato eles não estão muito bem nos últimos tempos. Mas o ponto é que substituí o refrigerante pelo café. Quando contei isso para alguns amigos mais antigos eles não puderam deixar de comentar que não esperavam menos de mim, não posso diminuir meus vícios, apenas substituí-los. Afinal de contas, sou uma pessoa de vícios – por mais que não aqueles lá em cima – e manias, outro ponto muito curioso da minha personalidade. Fico muito chateado quando confundem minhas manias com algum tipo de organização ou método. Elas não fazem lógica, eu faço porque sinto que tenho que fazer, só isso.
E agora que o objetivo que tinha em mente quando comecei esse texto já foi completamente pelos ares, vou aproveitar para falar um pouquinho de outra coisa que me incomoda muito, a idéia que as pessoas costumam ter de ironia. Talvez a culpa seja do humor inglês, que costuma não só ser irônico como juntar a isso o sarcasmo. Quando você usa de ironia numa frase você não precisa estar querendo dizer o contrário do que de fato diz – ficou confuso? – mas apenas dizer algo diferente, no meu caso algo diferente no sentido moral, na maioria das vezes. A idéia é que quando se usa ironia não é necessária a descrença naquilo que se diz, pelo contrário, em muitos casos a ironia pode e deve ser usada para ressaltar um discurso, relacionando-o a um contexto diferente, a paradigmas diferentes, ou simplesmente para incitar no interlocutor – detesto essa palavra – um pensamento crítico. Ironia é basicamente um comentário sagaz sobre algo. Ironia é uma forma de fazer as pessoas pensarem através da destruição dos conceitos pré-estabelecidos que elas possam ter. Se alguém não quer olhar pela janela e ver os campos verdejantes lá fora a ironia chega e derruba as paredes, assim a pessoa não vai poder evitar ver, ou melhor, só não verá se for cega. E essa cegueira foi um comentário irônico.
Digo isso porque as pessoas costumam ter dificuldade para entender muitos dos comentários que faço, não que todos eles tenham sentido, a maioria não tem e gosto muito deles assim. Mas normalmente é necessário um período de convívio para que as pessoas comecem a entender, a contextualizar, talvez, e ainda assim não consideram isso ironia, a não ser quando acompanhada de sarcasmo. Mas até aí tudo isso pode ser só uma pequena ironia.
***
Ele cuidava do pequenino bonsai como se cuidasse de um filho recém-nascido. De fato, desde que se separara dois anos antes e deixara de ver os filhos de verdade poucas coisas realmente recebiam seu afeto. Inicialmente pensara em um cachorro, afinal dizem que é o melhor amigo do homem, mas assim que entrou na pet shop e olhou para aquelas criaturinhas começou a pensar com qual deles as crianças gostariam de  brincar quando viessem visitá-lo, qual seria melhor para a casa pequena, para não atrapalhar os vizinhos. Então lembrou que os filhos não viriam visitar, pelo menos não nos próximos dez anos, até terem idade suficiente para uma viajem internacional sem acompanhantes. Lembrou que o casal de velhinhos do andar abaixo sequer se incomodaria em reclamar, por mais que quisessem, era muito esforço só para se entrar em uma discussão, e não se quer isso depois de uma certa idade, lembrou que o síndico no andar de cima não deixaria de perceber o animalzinho, e que não era muito dado a aceitar esse tipo de coisa no condomínio. Lembrou que ele mesmo não iria querer torturar o cão cortando suas cordas vocais mas também não teria paciência com as coisas que nenhum animal pode evitar fazer. Talvez fosse essa sua falta de paciência que tivesse o colocado na situação na qual se encontrava.
Mas quando viu o bonsai não pensou em nada, não lembrou nada, simplesmente o achou ideal. E não o bonsai de uma forma geral, mas sim aquele bonsai. No começo teve grandes dificuldades, mesmo agora não era um grande artista no que se refere ao tratamento da pequena árvore. Mas lentamente vai evoluindo, vai aperfeiçoando a planta colossal em significado e compacta em espaço. A cada delicada tesourada aparando e ajudando no crescimento se perde em pensamentos que abandona assim que acaba. O bonsai lhe ensinou não só a paciência, ensinou o valor da reflexão e do pensamento, mesmo que insondável, mesmo que inóspito. A planta infecunda colocou naquela cabeça centenas de fantasias e esperanças, expectativas que nunca se confirmariam. O homem, inocente, pensava em como estava melhorando, em como estava evoluindo com o que aquela árvore lhe ensinava. Esqueceu que tudo que tirava dela era esperança, e não sabia que as esperanças são feitas para permanecer na alma, para serem podadas antes que cheguem ao coração.
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- Bom saber que você está feliz, mas por favor tome cuidado, não entre em parafuso. – Foram as palavras que ela disse, feias como foram, e naquele momento percebi que era inevitável, que ia acontecer tudo novamente.

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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Mais uma gota de veneno - ou As cidades de Calvino


Agora que já quebrei a primeira regra do blog e já consegui um cúmplice, dou mais um passo na minha cruzada para matar o velho Iridescentes. O que acharam do novo layout? Não gostaram? Pois então que façam alguma coisa, reclamem nos comentários, mudem por vocês mesmos, tentem me impedir nesse assassínio. Não gostei muito do resultado final, na verdade, mas foi o melhor que consegui fazer com a pressa que estou no momento.
***
Estou lendo – graças ao coleguinha Fábio Andó Filho – o livro Cidades Invisíveis do Ítalo Calvino. A edição é ao mesmo tempo simples e interessante. Sem nenhuma informação e curiosidade, apenas o texto na íntegra, mas numa tradução muito boa, e em capa dura de verdade, não nessas capas duras dobráveis que estão por aí nas bancas. Fazendo um link com um dos meus posts recentes, é um livro que não tem realmente uma estória, é ele todo profundidade filosófica, tendo como pano de fundo as descrições que Marco Polo fazia de cidades ao imperador tártaro Kublai Kahn. Se você não sabe nada sobre o relacionamento dos dois, não é necessário, Calvino explica muito bem que Polo era apenas um dos que estavam trabalhando para o Kahn, e que o refinamento filosófico das descrições do veneziano agradava muito mais ao imperador que as centenas de relatos factuais dos demais inspetores. O livro usa as cidades que Marco Polo descreve ao imperador para estabelecer várias argumentações sobre temas como memória, morte, a importância dos símbolos e nomes, dos desejos. Cada um dos nove capítulos se subdivide em outros menores, cada um dedicado a explorar um aspecto de um tema, e a forma que esses temas se colocam dispersos pelo livro não chega a ser de modo algum ilógica, muito pelo contrario, parece mostrar como esses temas estão interligados no âmbito humano – as cidades invisíveis e muitas vezes impossíveis de Marco Polo. Cada subcapítulo, normalmente com cerca de uma página, possibilita uma reflexão, que acredito variar bastante de pessoa para pessoa. Talvez algumas páginas não te façam parar por alguns minutos, mas essas provavelmente são páginas que vão servir para outras pessoas, e as que te fizerem parar não necessariamente vão te dar uma nova compreensão sobre o mundo, mas vão mudar um pouquinho a que você já tem, vão ao menos te fazer pensar sobre aquilo, e pensar sobre aquilo é o que cria possibilidades, é o que te faz ver como as vezes não é preciso pensar, já pensou demais, já tem sua opinião formada, agora é só sentir, agora é só se perder pelas ruas, pelos mistérios dessas cidades invisíveis que somos nós, que carregamos dentro de nós.
***
O que aconteceu naquele dia? Nada demais, alguém morreu, alguém sorriu, alguém amou. Andou no frio e deixou a imaginação levar para aquele lugar onde as pernas nunca conseguiriam. Olhos e casaco fechados. Quando se deu conta estava perdido. Isso nunca teria acontecido se nunca tivesse se dado conta de algo.

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terça-feira, 12 de outubro de 2010

Emannuel tem um cúmplice

Não vou deixar você fazer o serviço sujo sozinho, meu caro.

--------- 1) À cova: parágrafos cansativos inconclusos

Serenava. O frio da noite embebia cada poro do seu corpo - a madrugada lhe embriagava aos poucos. Os pés descalços seguiam sem pressa pela rua silenciosa. Andava hesitante - os passos sem rumo são suaves, mas ecoam como quedas. Levava os braços abertos pra sentir melhor a solidão.

Tudo nele me incomodava. Acompanhara-o desde quando o vi de relance, através da janela do bar. Aquele homem triste, tão irritantemente triste, calou todo o burburinho ao meu redor. Eu só tinha ouvidos para o silêncio daquele desconhecido.

Era um silêncio constrangedor, como se estivéssemos a sós numa sala de espera. Alguém precisava dizer algo. Ele não me via, ele sequer tirava os olhos do chão, mas eu sabia que estávamos os dois sozinhos, sozinhos esperando, e isso bastava.

Ele já passara pela janela do bar, passara por mim, estava prestes a entrar em outra rua, estava há um passo de sumir da minha visão, quando então parou. Eu já me preparava para sair daquela loucura, para me acomodar aos meus amigos e copos, para esquecer aquele estranho, reduzi-lo a um bêbado qualquer perdido na madrugada. Mas ele parou, parou como um poste. Ergueu os braços como um vencedor, um vencedor prestes a ser nocauteado. Finalmente mergulhou no chão, mergulhou com vontade, mergulhou como se quisesse se dissolver no asfalto.

Foi patético, admiravelmente patético. Aquele homem era um herói desespererado. Tentava salvar-se da humanidade, salvar a humanidade que restava em si.

Deve ter conseguido, no máximo, um corte na testa.

------- 2) À cova: o maior número de clichês amarrados com o menor número de linhas

O assassinato foi simples. Eram três da tarde, ele estava desacordado no chão da sala, mergulhado em vômito, cinzas e álcool - o clássico.

"Ele federia menos se estivesse morto", pensou.

Matou.

Desceu as escadas até a cozinha, puxou uma cadeira, sentou-se. Batia os dedos sobre a mesa, buscava uma melodia qualquer que tirasse de sua mente a imagem dos 13 anos de casamento mergulhados em vômito, cinzas e álcool.
Avistou uma barata. Sentiu asco. Sentiu-se íntima. Compreendeu-a.

"Mas isso me soa familiar..."

Cuspiu Kafka. Cuspiu Lispector.
Esmagou a barata com a fruteira e buscou o sentido da vida no teto.

Concluiu que exista tanto quanto o armário da cozinha, tanto quanto os pratos dentro do armário da cozinha, tanto quanto o pó sobre os pratos dentro do armário da cozinha.
Todos ocupando espaço. Nada fazendo sentido.

Subiu as escadas, sentou-se ao lado do corpo do marido e ligou a televisão.

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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Feijoada Búlgara (Ou quatro textos e um link)

Acordou pela terceira vez na mesma noite.
Os sonhos não atrapalham, mas são difíceis,
As vezes nos fazem querer desistir de dormir,
As vezes não temos motivos pra insistir,
Tentar voltar para um sonho que já foi
Só porque parecia real, talvez até mais
Que as coisas que quando dormimos
Tentamos deixar para trás.
***

Antes de vir para São Paulo ouvir Radiohead sempre foi uma experiência estranha para mim. Talvez eu já tenha escrito isso antes em algum lugar, ou talvez já tenha comentado isso com alguém, o tema me parece familiar, mas hoje definitivamente tenho de escrever sobre ele. Por quê? Bem, posso começar dizendo que normalmente só escuto Radiohead quando até mesmo Joy Division está me parecendo uma banda feliz demais, não me pergunte o motivo disso, mas me parece mais apropriado, assim como Maroon 5 é eficaz para quando sua vida amorosa vai à sarjeta – o que me dá bastante medo de dizer, afinal o Last.FM constatou que essa é a banda que mais escuto. Mas, hoje, ou melhor, nos últimos dias, me veio uma vontadezinha de escutar Thom Yorke e companhia mesmo estando muito bem, obrigado. Na verdade, desde que cheguei aqui em São Paulo Radiohead ganhou uma nova profundidade para mim, não faz muito sentido escutar a música deles em uma cidadezinha quente e ensolarada no meio do nada, o mundo parece muito afável para te permitir ouvir Radiohead do jeito certo. É claro que lá eu já podia fazer isso, e já gostava de muitas músicas da banda, como Creep, Stop Whispering e There There; mas quando chega um dia nublado numa cidade grande, com o frio tentando entrar em você por baixo das suas unhas, uma nova dimensão se abre para você, seja ouvindo no seu mp3 enquanto se apóia no alumínio gelado do metrô, que aparente mente esvazia para que você possa ouvir All I Need, ou quando você chega em casa depois de um dia cansativo, coloca o OK Computer para tocar e deita na cama, pensando na vida. Só nessas situações é realmente possível entender o que eles querem te dizer não só com aquelas letras incongruentes com um dia de Sol na beira do rio, mas também com aqueles sons tão alienígenas que você pensava que nunca iria escutar até chegar em algum ponto da Avenida Paulista e dar uma de August Rush. Se já me chamaram de whining quando falei do Morrissey, imagina o que vão falar agora, mas isso não vai tirar da minha cabeça aquela voz estranha cantando: Anyoooone caaan plaaay guitaaaaaarrrr!!!
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Esse Blog está muito parado. Difícil imaginar que quando estávamos planejando como escrever isso em grupo, criando algumas normas de boa convivência chegamos a pensar que seria tão prolífico a ponto de restringirmos o número de posts diários e coisas do gênero. Temos muitas pessoas dispostas a falar muitas coisas, mas elas parecem não ter se interessando, parecem ter se decepcionado com o formato do Blog ou algo assim. Talvez estejam com muitas coisas pra fazer ou tenham esquecido o Iridescentes, difícil dizer, provavelmente só continuo aqui porque é difícil impedir que meus dedos fiquem apertando os tipos do teclado.
Ou Talvez as pessoas só sejam mais vazias do que eu imaginava, talvez não tenham nada para dizer, e não queiram nem mesmo ler. Pretty unlikely, but still. Por isso proponho-me aqui a algo ousado. O blog está moribundo, então irei matando-o aos poucos, com posts como esse. Se não quiserem isso, escrevam, me impeçam. Começo quebrando a regra dos dois posts por dia. O último que publiquei foi pouco após desse dia começar, meia-noite e pouquinho, espero publicar esse antes que a nova meia noite passe.
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Pode ter sido apenas um “oi!”, é bem verdade, mas, pelos poucos segundos que nossos olhos se fixaram uns nos outros, posso afirmar que o fizeram de uma forma que nunca havia imaginado que fosse possível, de uma forma que nunca acreditei que fosse conseguir fitar aqueles olhos. Agora não saem da minha cabeça. Como vou poder não tremer da próxima vez que for cumprimentá-los? Como vou poder não me perder da próxima vez que entabulemos uma conversa casual, tão casual quanto a última? Onde estarão minha ancora e meu colete salva-vidas?
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Deixo com vocês um link para um dos meus poemas preferidos, precisam vê-lo recitado no filme “Four weddings and a funeral”: http://www.davidpbrown.co.uk/poetry/wystan-hugh-auden.html

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Feijoada Búlgara (Ou dialogos)

Os dois estão olhando para o teto, deitados e cobertos numa grande cama. Grande o suficiente para que sequer toquem um ao outro levemente. Nenhum dos dois parece particularmente cansado, e a única iluminação é a dos abajures, um de cada lado da cama. Estão conversando já a bastante tempo, e é como uma conversa qualquer, nem mesmo se olham nos olhos, trivialidades. Podemos apenas imaginar o que aconteceu antes, quando chegamos pegamos apenas o fim de uma da frase:
-... por isso não quero viver por muito tempo. – ele disse, e, sem saber o que falou antes disso não podemos contextualizar a frase muito bem.
- mas hoje em dia isso não quer dizer muito, não importa o quão velho você fique, sempre existirá a possibilidade se ser saudável se você se cuidar, são grandes as chances de se continuar lúcido, principalmente alguém como você, lendo livros, escrevendo e fazendo palavras cruzadas. Até mesmo a aparência não vai ser um problema, quando ficarmos velhos ninguém vai conseguir imaginar qual a nossa idade de verdade. Você vê os velhinhos hoje e consegue sentir como eles são jovens por dentro, logo eles vão conseguir ser jovens por fora também, e tudo isso não vai fazer mais tanta diferença.  – esse não era realmente o tipo de coisa que ela costumava falar, mas o fato de apagar o abajur que estava do lado dela da cama deve dizer algo sobre isso.
- não importa o quão bem eu pareça por fora, ou o quão jovem eu tente parecer quando estiver conversando com alguém. Isso não vai mudar o fato que eu já vou ter feito muitos amigos, aproveitado muito tempo com eles, que eu já vou ter enterrado muitas das pessoas que amei, já vou ter sorrido muito com você e que já vou ter aprendido muito, a duras penas, com o mundo. Já vai ter passado o tempo de segurar crianças no colo ou trocar fraldas. Já vai ter passado o tempo de ganhar dinheiro, e vai ter acabado o impulso que podia fazer com que eu o gastasse bem. Já vai ter passado o tempo em que coisas delicadas me maravilhavam e o tempo em que nada me maravilhava, vou ficar encantado com tudo só para não me deixar cair na apatia. A idade vai fazer com que eu precise de remédios antes de te levar para a cama, e vai fazer com que não nos amemos mais por prazer mas simplesmente porque é isso que fazemos a anos. Envelhecer só vai me deixar mais ranzinza ou bobo, vai me fazer ter medo de tomar banho de chuva e dizer para que as pessoas não saiam de casa sem agasalho, afinal elas podem pegar um resfriado. Envelhecer só vai fazer com que todas as vezes que eu olhe para o mundo não me surpreenda, não de uma forma boa pelo menos, simplesmente vou olhar para como as coisas estão e pensar em como elas eram melhores quando eu era jovem. A velhice só vai me dar tempo para pensar, e você sabe como eu detesto pensar nas coisas, tudo parece tão mais sombrio quando pensamos nisso. – então ele ouviu o leve ressoar dela. Tinha adormecido. Apagou também o seu abajur e a abraçou. Não pode deixar de pensar em como estava ficando velho.
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Sabe, se tem uma coisa que eu realmente gosto nos filmes do Tarantino são os diálogos. Quando gosto de filmes, séries ou mesmo livros, geralmente gosto por causa da estória que eles contam, sem uma estória interessante perdem quase que toda a graça para mim. Tudo o mais é sacrificável em prol de uma boa estória: efeitos especiais, humor, romance e até mesmo profundidade filosófica. Se você tem uma estória boa, me ganha facinho. Mas dizem que toda a regra tem exceção não é mesmo? A minha deve ser Tarantino. Sejamos sinceros, as estórias dele não são lá as mais elaboradas, ou as mais interessantes, por mais que sangue, drogas e sexo em geral facilitem bastante o trabalho. Esse provavelmente deve ser meu problema com Kubrick, metade dos diretores europeus e a quase totalidade dos diretores americanos. Mas, voltando ao ponto, Tarantino me ganha nos diálogos, e geralmente aqueles logo no começo do filme: as conversas estranhamente cativantes no começo de Reservoir Dogs ou Pulp Fiction tanto quanto aquela primeira cena dos Bastardos Inglórios, todos esses diálogos são geniais, e se é verdade que os filmes não se compõem apenas de momentos como esses é mais para não deixá-los na mesmice que por falta de capacidade. Se você prestar bem atenção vai ver que os filmes dele são, como um todo, uma grande conversa com nós que assistimos e nos divertimos. Por isso Kill Bill é o filme que acho mais sem-graça. Ele traz o melhor do diretor, exceto seus diálogos. O visual é interessante, tem bastante galhofa e bastante apelação, como qualquer filme-Tarantino, mas onde está a essência? Onde está o Mr. White para contextualizar o presente com o histórico de um monte de personagens dos quais nem mesmo sabemos os nomes? Onde está Vincent Vega para falar sobre hambúrgueres?
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E foi só um “oi!”, será que posso mesmo chamar isso de conversa?

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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Um quê de Amélie

Na escolinha,

pintava, fora da margem e

do mais consciente azul, a maçã.

Trouxe flores pro primeiro namorado.

O tom de voz era um levantar de sobrancelhas.

Tinha um chapéu pra cada humor. E nenhum preto.

Ele a viu e, ali na esquina, à beira da poça, súbito soube:

Que poderia ter se apaixonado por ela um dia e outro e todos -


Mas tinha alma de síndico.



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quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O cavaleiro do balde

O cavaleiro do balde

Consumido todo o carvão; vazio o balde; sem sentido a pá; a estufa bafejando frio; o quarto inteiro atravessado por sopros de gelo; diante da janela as árvores rijas de geada; o céu um escudo de prata contra quem deseja o seu auxílio. Preciso de carvão; certamente não posso morrer congelado; atrás de mim a estufa impiedosa, à minha frente o céu igualmente sem pena, tenho portanto de cavalgar nítido entre os dois e no meio buscar a ajuda do carvoeiro. Mas ele já está insensível aos meus pedidos costumeiros; é necessário provar-lhe com precisão absoluta que já não tenho uma só migalha de carvão e que sendo assim ele significa para mim o próprio sol no firmamento. Devo chegar como o mendigo que estrebuchando de fome quer morrer na soleira da porta e a quem, por esse motivo, a cozinheira dos patrões resolve dar para beber a borra do último café; do mesmo modo o carvoeiro, furioso mas sob o raio de luz do mandamento "Não matarás!", tem de atirar no meu balde uma pá cheia de carvão.

Já minha subida deve decidir o caso, por isso vou a cavalo no balde. Como cavaleiro do balde, ao alto a mão na alça - a mais simples das rédeas -, volto-me com dificuldade e desço a escada; mas embaixo meu balde sobe, soberbo, soberbo: camelos agachados no solo não se levantam tão belos estremecendo sob o bastão do cameleiro. Pela rua dura de gelo avança-se em trote regular; muitas vezes sou alçado à altura dos primeiros andares, não mergulho nunca até o nível da porta do prédio. E diante da abóbada do depósito do carvoeiro pairo extremamente alto enquanto ele bem lá embaixo escreve acocorado junto à sua mesinha. Para deixar sair o calor excessivo ele abriu a porta.

- Carvoeiro! - brado com a voz cava e crestada pelo gelo, envolto nas nuvens de fumaça da respiração. - Por favor, carvoeiro, me dê um pouco de carvão. Meu balde já está tão vazio que posso cavalgar nele. Seja bom. Assim que puder eu pago.

O carvoeiro põe a mão no ouvido.

- Estou ouvindo bem? - ele pergunta por sobre os ombros para sua mulher, que está tricotando no banco da estufa. - Estou ouvindo direito? Um freguês.

- Não estou ouvindo absolutamente nada - diz a mulher, inspirando e expirando tranquila sobre as agulhas de tricô, as costas agradavelmente aquecidas.

- Oh, você ouve sim - eu brado -, sou eu, um velho freguês, fiel e dedicado, só que no momento sem recursos.

- Mulher - diz o carvoeiro -, é alguém, é alguém; tanto assim eu não posso me enganar; deve ser um freguês muito antigo que me fala desse modo ao coração.

- O que há com você, homem? - diz a mulher, e repousando um instante comprime o trabalho manual no peito. - Não é ninguém, a rua está vazia, toda a nossa freguesia está servida, podemos fechar a loja durante dias e descansar.

- Mas eu estou sentado aqui em cima no balde - exclamo e lágrimas sem sentimento velam-me os olhos. - Por favor, olhem para cima, vão logo me descobrir; estou pedindo uma pá de carvão e se me derem duas vão me fazer muito, muito feliz. Todo o resto da freguesia aliás já está servido. Ah, se eu já ouvisse o carvão batendo no balde!

- Vou indo - diz o carvoeiro e com as pernas curtas quer subir a escada do porão, mas a mulher já está ao seu lado, segura-o pelo braço e diz:

- Você fica aqui. Se não parar de ser teimoso, subo eu. Lembre-se da sua tosse forte esta noite. Mas por um negócio, mesmo que seja imaginário, você abandona mulher e filho e sacrifica os seus pulmões. Eu vou.

- Mas então conte todos os tipos que temos no estoque; os preços eu grito depois para você.

- Está bem - diz a mulher e sobe para a rua.

Naturalmente ela não me vê logo:

- Senhora carvoeira! - exclamo. - Respeitosa saudação: só uma pá de carvão, bem aqui no balde; eu mesmo o levo para casa; uma pá do pior carvão. Evidentemente pago tudo, mas não agora, não agora.

Como as duas palavras "não agora" parecem um som de sino e como elas se misturam perturbadoramente ao toque do anoitecer que se pode escutar da igreja vizinha!

- O que ele quer, então? - brada o carvoeiro.

- Nada - grita de volta a mulher. - Não é nada, não vejo nada, não ouço nada. O frio está medonho; amanhã provavelmente vamos ter ainda muito trabalho.

Ela não vê nem ouve nada, no entanto desamarra o cinto do avental e tenta me enxotar com ele. Infelizmente consegue. Meu balde tem todas as vantagens de um bom animal de corrida, mas não resistência; ele é leve demais; um avental de mulher tira-lhe as pernas do chão.

- Malvada! - brado ainda, enquanto ela, voltando-se para a loja, dá um tapa no ar, meio com desprezo, meio satisfeita. - Você é malvada! Pedi uma pá do pior carvão e você não me deu.

E com isso ascendo às regiões das montanhas geladas e me perco para nunca mais.

Franz Kafka, 1916
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sábado, 21 de agosto de 2010

Cool Jazz - Atualização Pirilampa da Madrugada 2.0

Bom, por enquanto eu vi poucas dicas culturais nesse blog. Como eu não posto faz tempo e estou por aqui disposto a postar algo interessante, vai algumas coisas.

Vocês já ouviram falar de cool jazz? É um estilo de jazz mais relaxante...

Um dos álbuns mais lindos que eu conheço é Miles Davis - Kind of Blue.

Acredito que muitos já o conheçam, mas para aqueles que nunca ouviram muito jazz eu sugiro!


Outra coisa bacana, é um músico americano muito conectado com a nossa Bossa Nova, chamado Chet Baker, o cara tem uma voz maravilhosa, além de ter sido um GAAAAAAAAAATO (podem sacanear o cara era bonito mesmo) da época (hauha). Enfim, o mano era fã do João Gilberto, além deste ter sido fã do anterior. Ele tocava maravilhosamente!!! Um luxo babe (já que é pra fazer comentários gays)!!! Ouçam só a música My Funny Valentine, que eu fiquei horas ouvindo.


Lindo, não?

E agora uma dica gastronômica:

Existem vários tipos de cervejas (assim como ocorre com os vinhos - que todos já conhecem): Weiss, Ale, Dark Ale (Stout), Pilsen, Bock... Você já pensou nisso? Eu comecei a pensar recentemente... Eu sei que todos esses tipos são enquadrados em dois tipos maiores que eu não lembro mais... O tipo de sabor da cerveja é ocasionado pela quantidade de ingredientes que são colocados na hora da sua "fabricação", se se quer uma cerveja pilsen põe cevada normal, se se quer uma bock põe a cevada pretinha... assim vai...

As cervejas industriais são sempre pilsen e das mais ruinzinhas (de acordo com padrões estabelecidos)... A Guiness é Stout. As Weiss são as de trigo - eu conheço a Baden Baden e a Bohemia Weiss, ambas são boas. Bom, é isso aí galera.

Pensem nisso antes de beber, sugiro a Baden Baden que eu comprei em Campos do Jordão, essas daí vem duma fábrica de lá que foi comprada pelo grupo Schincariol, mas é boa, cerveja nacional premiada e, de acordo com eles, a única feita por métodos artesanais, mas não vão pensar que são fermentadas em barris de carvalho por monjes!!!!!


Aquela abraço.

P.S: (Agora uma dica de turismo - não é propaganda) Para quem for a Campos do Jordão eu recomendo fortemente uma visita à fábrica da Baden Baden, super 1o!





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quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Feijoada búlgara (Ou Concerto em D menor para dois violinos)


Acho que o último texto que escrevi não teve muitos comentários por tocar num assunto que não é sequer polêmico, mas apenas aterrador para a maioria das pessoas. Esse provevelmente é mais acessivel, mas ainda assim fala de algumas coisas complicadas.


*** 

Uma pequena litania. Um pouco maçante, é verdade:
 

Não acredito em política, acredito em loucura.
Não acredito em economia, acredito em ambição.
Não acredito na espada, acredito na caneta.
Não acredito no dinheiro, acredito no papel.
Não acredito em direitos, acredito na liberdade total.
Não acredito na Razão, acredito em mentiras.
Não confio nas religiões, confio na fé.
Não acredito na inocência, acredito na procrastinação do pecado.
Não acredito na perfeição, acredito na beleza da imperfeição.
Não confio nos bons, mas confio todas minhas trinta moedas aos maus.
Não acredito no deus que me impõem, acredito no meu.
Não acredito na Morte, acredito no Céu e Inferno, mesmo que na Terra.
Não acredito nas pessoas que amo, acredito cegamente no meu amor por elas.
Não acredito em somas e divisões, acredito na igualdade pura e inconsequente.
Não confio no poeta, confio na Musa.
Não acredito em poucos, acredito em todos.
Não acredito em muitos, acredito no ninguém.

Não acredito nos sábios, acredito nas árvores.
Não acredito no perigo, acredito no medo.
Não confio na Ordem, prefiro o Caos.
Não acredito em promessas e juras, acredito em olhos e mãos.
Não confio em beijos, confio em carícias.
Não acredito em deveres e métodos, acredito em obesessões e manias.
Não confio na humanidade, acredito nos seres humanos.
Não acredito em Charles Darwin, acredito em Charles Chaplin.
Não confio em você, mas acredito que posso estar errado.
 

***

Estava no metrô quando vi a primeira. Não estava completamente lotado como costuma em vários horários todos os dias, no entanto estavam naquele último vagão pessoas suficientes para que alguns tivessem de ficar de pé. Eu estava sentado, escutava alguma música do primeiro disco da Laura Marling, não me lembro com exatidão qual. Ela estava de pé, apoiada numa das portas. Vestia uma blusa azul, tão azul quanto a sua calça jeans, mas o cachecol – e o guarda-chuva – era verde limão, ou verde cana, não sou tão bom assim em diferenciar tons de cores. Os cabelos eram loiros e curtos, extremamente cacheados, os olhos estavam fechados, nuca saberei qual a cor que tinham. Alguma coisa nela remetia à androgenia dos anjos. De fato, os anjos deveriam ser como ela. Nem um pouco atraente, ao menos não para mim, mas indiscutivelmente angelical, seja por seu gênero ser de difícil percepção para os desatentos – ou não tanto assim, logo que meus olhos caíram sobre ela sabia que era uma mulher – seja na sua solenidade, ar de erudição, até mesmo aquela presumível arrogância que os anjos devem aparentar ao se verem entre os mortais, especialmente no metrô. Ainda assim ela me fez pensar que é daquele jeito que devem ser os anjos. 
Algum tempo depois finalmente cheguei até onde estava indo. Lá encontrei muitas pessoas, mas a minha surpresa foi que alguma daquelas me fizesse continuar a reflexão que começara no metrô; especialmente por ser uma pessoa que vejo com freqüência. Mas diferentes ocasiões nos propiciam diferentes reflexões, por isso talvez as relações entre pessoas dificilmente conservem-se imutáveis por muito tempo. Elas sempre mudam, talvez apenas um pouco, talvez não para melhor ou pior, talvez até imperceptivelmente, mas mudam. A pessoa que encontrava agora, no entanto, não tinha uma aparência que me lembrasse os anjos. Não, de forma alguma. Ela não tinha uma aparência que pudesse ser descrita apenas por palavras como "encantadora", "fabulosa", ou mesmo "charmosa", no entanto "tentadora" também não se adequaria de forma alguma, embora isso fosse parte do que fizesse. Enfim, era impossível definir aquela aparência, exceto, talvez, por diabólica. Não me entenda mal, se você a visse diria que ela tem cara de santa. Mas mesmo que você dissesse isso alguma coisa nessa definição ia te incomodar. Mas os demônios devem ter uma aparência como a dela para que consigam seduzir com mais facilidade, para que consigam convencer-te que está fazendo determinada coisa por vontade própria enquanto na verdade apenas te arrastam para a perdição. E nesse caso a perdição pode ser qualquer coisa. Uma paixão que faça com que seu peito arda, uma nunca antes provada sensação de rejeição a si mesmo, insegurança quanto àquilo em que você acredita ou, o que é pior, a criação de uma consciência ordinária e banal que vai te fazer repensar tudo aquilo pelo que na verdade deveria se orgulhar como "idiotices de um espírito-livre idiota". Mas tal qual mais vil dos demônios ela te joga no mais profundo poço do inferno apenas para depois te tirar de lá, brincar com você, controlando todos os seus devaneios, infiltrando-se nos seus pensamentos. Tão perfeita quanto só os demônios podem ser.

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