quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Mais uma gota de veneno - ou As cidades de Calvino


Agora que já quebrei a primeira regra do blog e já consegui um cúmplice, dou mais um passo na minha cruzada para matar o velho Iridescentes. O que acharam do novo layout? Não gostaram? Pois então que façam alguma coisa, reclamem nos comentários, mudem por vocês mesmos, tentem me impedir nesse assassínio. Não gostei muito do resultado final, na verdade, mas foi o melhor que consegui fazer com a pressa que estou no momento.
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Estou lendo – graças ao coleguinha Fábio Andó Filho – o livro Cidades Invisíveis do Ítalo Calvino. A edição é ao mesmo tempo simples e interessante. Sem nenhuma informação e curiosidade, apenas o texto na íntegra, mas numa tradução muito boa, e em capa dura de verdade, não nessas capas duras dobráveis que estão por aí nas bancas. Fazendo um link com um dos meus posts recentes, é um livro que não tem realmente uma estória, é ele todo profundidade filosófica, tendo como pano de fundo as descrições que Marco Polo fazia de cidades ao imperador tártaro Kublai Kahn. Se você não sabe nada sobre o relacionamento dos dois, não é necessário, Calvino explica muito bem que Polo era apenas um dos que estavam trabalhando para o Kahn, e que o refinamento filosófico das descrições do veneziano agradava muito mais ao imperador que as centenas de relatos factuais dos demais inspetores. O livro usa as cidades que Marco Polo descreve ao imperador para estabelecer várias argumentações sobre temas como memória, morte, a importância dos símbolos e nomes, dos desejos. Cada um dos nove capítulos se subdivide em outros menores, cada um dedicado a explorar um aspecto de um tema, e a forma que esses temas se colocam dispersos pelo livro não chega a ser de modo algum ilógica, muito pelo contrario, parece mostrar como esses temas estão interligados no âmbito humano – as cidades invisíveis e muitas vezes impossíveis de Marco Polo. Cada subcapítulo, normalmente com cerca de uma página, possibilita uma reflexão, que acredito variar bastante de pessoa para pessoa. Talvez algumas páginas não te façam parar por alguns minutos, mas essas provavelmente são páginas que vão servir para outras pessoas, e as que te fizerem parar não necessariamente vão te dar uma nova compreensão sobre o mundo, mas vão mudar um pouquinho a que você já tem, vão ao menos te fazer pensar sobre aquilo, e pensar sobre aquilo é o que cria possibilidades, é o que te faz ver como as vezes não é preciso pensar, já pensou demais, já tem sua opinião formada, agora é só sentir, agora é só se perder pelas ruas, pelos mistérios dessas cidades invisíveis que somos nós, que carregamos dentro de nós.
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O que aconteceu naquele dia? Nada demais, alguém morreu, alguém sorriu, alguém amou. Andou no frio e deixou a imaginação levar para aquele lugar onde as pernas nunca conseguiriam. Olhos e casaco fechados. Quando se deu conta estava perdido. Isso nunca teria acontecido se nunca tivesse se dado conta de algo.

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terça-feira, 12 de outubro de 2010

Emannuel tem um cúmplice

Não vou deixar você fazer o serviço sujo sozinho, meu caro.

--------- 1) À cova: parágrafos cansativos inconclusos

Serenava. O frio da noite embebia cada poro do seu corpo - a madrugada lhe embriagava aos poucos. Os pés descalços seguiam sem pressa pela rua silenciosa. Andava hesitante - os passos sem rumo são suaves, mas ecoam como quedas. Levava os braços abertos pra sentir melhor a solidão.

Tudo nele me incomodava. Acompanhara-o desde quando o vi de relance, através da janela do bar. Aquele homem triste, tão irritantemente triste, calou todo o burburinho ao meu redor. Eu só tinha ouvidos para o silêncio daquele desconhecido.

Era um silêncio constrangedor, como se estivéssemos a sós numa sala de espera. Alguém precisava dizer algo. Ele não me via, ele sequer tirava os olhos do chão, mas eu sabia que estávamos os dois sozinhos, sozinhos esperando, e isso bastava.

Ele já passara pela janela do bar, passara por mim, estava prestes a entrar em outra rua, estava há um passo de sumir da minha visão, quando então parou. Eu já me preparava para sair daquela loucura, para me acomodar aos meus amigos e copos, para esquecer aquele estranho, reduzi-lo a um bêbado qualquer perdido na madrugada. Mas ele parou, parou como um poste. Ergueu os braços como um vencedor, um vencedor prestes a ser nocauteado. Finalmente mergulhou no chão, mergulhou com vontade, mergulhou como se quisesse se dissolver no asfalto.

Foi patético, admiravelmente patético. Aquele homem era um herói desespererado. Tentava salvar-se da humanidade, salvar a humanidade que restava em si.

Deve ter conseguido, no máximo, um corte na testa.

------- 2) À cova: o maior número de clichês amarrados com o menor número de linhas

O assassinato foi simples. Eram três da tarde, ele estava desacordado no chão da sala, mergulhado em vômito, cinzas e álcool - o clássico.

"Ele federia menos se estivesse morto", pensou.

Matou.

Desceu as escadas até a cozinha, puxou uma cadeira, sentou-se. Batia os dedos sobre a mesa, buscava uma melodia qualquer que tirasse de sua mente a imagem dos 13 anos de casamento mergulhados em vômito, cinzas e álcool.
Avistou uma barata. Sentiu asco. Sentiu-se íntima. Compreendeu-a.

"Mas isso me soa familiar..."

Cuspiu Kafka. Cuspiu Lispector.
Esmagou a barata com a fruteira e buscou o sentido da vida no teto.

Concluiu que exista tanto quanto o armário da cozinha, tanto quanto os pratos dentro do armário da cozinha, tanto quanto o pó sobre os pratos dentro do armário da cozinha.
Todos ocupando espaço. Nada fazendo sentido.

Subiu as escadas, sentou-se ao lado do corpo do marido e ligou a televisão.

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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Feijoada Búlgara (Ou quatro textos e um link)

Acordou pela terceira vez na mesma noite.
Os sonhos não atrapalham, mas são difíceis,
As vezes nos fazem querer desistir de dormir,
As vezes não temos motivos pra insistir,
Tentar voltar para um sonho que já foi
Só porque parecia real, talvez até mais
Que as coisas que quando dormimos
Tentamos deixar para trás.
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Antes de vir para São Paulo ouvir Radiohead sempre foi uma experiência estranha para mim. Talvez eu já tenha escrito isso antes em algum lugar, ou talvez já tenha comentado isso com alguém, o tema me parece familiar, mas hoje definitivamente tenho de escrever sobre ele. Por quê? Bem, posso começar dizendo que normalmente só escuto Radiohead quando até mesmo Joy Division está me parecendo uma banda feliz demais, não me pergunte o motivo disso, mas me parece mais apropriado, assim como Maroon 5 é eficaz para quando sua vida amorosa vai à sarjeta – o que me dá bastante medo de dizer, afinal o Last.FM constatou que essa é a banda que mais escuto. Mas, hoje, ou melhor, nos últimos dias, me veio uma vontadezinha de escutar Thom Yorke e companhia mesmo estando muito bem, obrigado. Na verdade, desde que cheguei aqui em São Paulo Radiohead ganhou uma nova profundidade para mim, não faz muito sentido escutar a música deles em uma cidadezinha quente e ensolarada no meio do nada, o mundo parece muito afável para te permitir ouvir Radiohead do jeito certo. É claro que lá eu já podia fazer isso, e já gostava de muitas músicas da banda, como Creep, Stop Whispering e There There; mas quando chega um dia nublado numa cidade grande, com o frio tentando entrar em você por baixo das suas unhas, uma nova dimensão se abre para você, seja ouvindo no seu mp3 enquanto se apóia no alumínio gelado do metrô, que aparente mente esvazia para que você possa ouvir All I Need, ou quando você chega em casa depois de um dia cansativo, coloca o OK Computer para tocar e deita na cama, pensando na vida. Só nessas situações é realmente possível entender o que eles querem te dizer não só com aquelas letras incongruentes com um dia de Sol na beira do rio, mas também com aqueles sons tão alienígenas que você pensava que nunca iria escutar até chegar em algum ponto da Avenida Paulista e dar uma de August Rush. Se já me chamaram de whining quando falei do Morrissey, imagina o que vão falar agora, mas isso não vai tirar da minha cabeça aquela voz estranha cantando: Anyoooone caaan plaaay guitaaaaaarrrr!!!
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Esse Blog está muito parado. Difícil imaginar que quando estávamos planejando como escrever isso em grupo, criando algumas normas de boa convivência chegamos a pensar que seria tão prolífico a ponto de restringirmos o número de posts diários e coisas do gênero. Temos muitas pessoas dispostas a falar muitas coisas, mas elas parecem não ter se interessando, parecem ter se decepcionado com o formato do Blog ou algo assim. Talvez estejam com muitas coisas pra fazer ou tenham esquecido o Iridescentes, difícil dizer, provavelmente só continuo aqui porque é difícil impedir que meus dedos fiquem apertando os tipos do teclado.
Ou Talvez as pessoas só sejam mais vazias do que eu imaginava, talvez não tenham nada para dizer, e não queiram nem mesmo ler. Pretty unlikely, but still. Por isso proponho-me aqui a algo ousado. O blog está moribundo, então irei matando-o aos poucos, com posts como esse. Se não quiserem isso, escrevam, me impeçam. Começo quebrando a regra dos dois posts por dia. O último que publiquei foi pouco após desse dia começar, meia-noite e pouquinho, espero publicar esse antes que a nova meia noite passe.
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Pode ter sido apenas um “oi!”, é bem verdade, mas, pelos poucos segundos que nossos olhos se fixaram uns nos outros, posso afirmar que o fizeram de uma forma que nunca havia imaginado que fosse possível, de uma forma que nunca acreditei que fosse conseguir fitar aqueles olhos. Agora não saem da minha cabeça. Como vou poder não tremer da próxima vez que for cumprimentá-los? Como vou poder não me perder da próxima vez que entabulemos uma conversa casual, tão casual quanto a última? Onde estarão minha ancora e meu colete salva-vidas?
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Deixo com vocês um link para um dos meus poemas preferidos, precisam vê-lo recitado no filme “Four weddings and a funeral”: http://www.davidpbrown.co.uk/poetry/wystan-hugh-auden.html

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Feijoada Búlgara (Ou dialogos)

Os dois estão olhando para o teto, deitados e cobertos numa grande cama. Grande o suficiente para que sequer toquem um ao outro levemente. Nenhum dos dois parece particularmente cansado, e a única iluminação é a dos abajures, um de cada lado da cama. Estão conversando já a bastante tempo, e é como uma conversa qualquer, nem mesmo se olham nos olhos, trivialidades. Podemos apenas imaginar o que aconteceu antes, quando chegamos pegamos apenas o fim de uma da frase:
-... por isso não quero viver por muito tempo. – ele disse, e, sem saber o que falou antes disso não podemos contextualizar a frase muito bem.
- mas hoje em dia isso não quer dizer muito, não importa o quão velho você fique, sempre existirá a possibilidade se ser saudável se você se cuidar, são grandes as chances de se continuar lúcido, principalmente alguém como você, lendo livros, escrevendo e fazendo palavras cruzadas. Até mesmo a aparência não vai ser um problema, quando ficarmos velhos ninguém vai conseguir imaginar qual a nossa idade de verdade. Você vê os velhinhos hoje e consegue sentir como eles são jovens por dentro, logo eles vão conseguir ser jovens por fora também, e tudo isso não vai fazer mais tanta diferença.  – esse não era realmente o tipo de coisa que ela costumava falar, mas o fato de apagar o abajur que estava do lado dela da cama deve dizer algo sobre isso.
- não importa o quão bem eu pareça por fora, ou o quão jovem eu tente parecer quando estiver conversando com alguém. Isso não vai mudar o fato que eu já vou ter feito muitos amigos, aproveitado muito tempo com eles, que eu já vou ter enterrado muitas das pessoas que amei, já vou ter sorrido muito com você e que já vou ter aprendido muito, a duras penas, com o mundo. Já vai ter passado o tempo de segurar crianças no colo ou trocar fraldas. Já vai ter passado o tempo de ganhar dinheiro, e vai ter acabado o impulso que podia fazer com que eu o gastasse bem. Já vai ter passado o tempo em que coisas delicadas me maravilhavam e o tempo em que nada me maravilhava, vou ficar encantado com tudo só para não me deixar cair na apatia. A idade vai fazer com que eu precise de remédios antes de te levar para a cama, e vai fazer com que não nos amemos mais por prazer mas simplesmente porque é isso que fazemos a anos. Envelhecer só vai me deixar mais ranzinza ou bobo, vai me fazer ter medo de tomar banho de chuva e dizer para que as pessoas não saiam de casa sem agasalho, afinal elas podem pegar um resfriado. Envelhecer só vai fazer com que todas as vezes que eu olhe para o mundo não me surpreenda, não de uma forma boa pelo menos, simplesmente vou olhar para como as coisas estão e pensar em como elas eram melhores quando eu era jovem. A velhice só vai me dar tempo para pensar, e você sabe como eu detesto pensar nas coisas, tudo parece tão mais sombrio quando pensamos nisso. – então ele ouviu o leve ressoar dela. Tinha adormecido. Apagou também o seu abajur e a abraçou. Não pode deixar de pensar em como estava ficando velho.
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Sabe, se tem uma coisa que eu realmente gosto nos filmes do Tarantino são os diálogos. Quando gosto de filmes, séries ou mesmo livros, geralmente gosto por causa da estória que eles contam, sem uma estória interessante perdem quase que toda a graça para mim. Tudo o mais é sacrificável em prol de uma boa estória: efeitos especiais, humor, romance e até mesmo profundidade filosófica. Se você tem uma estória boa, me ganha facinho. Mas dizem que toda a regra tem exceção não é mesmo? A minha deve ser Tarantino. Sejamos sinceros, as estórias dele não são lá as mais elaboradas, ou as mais interessantes, por mais que sangue, drogas e sexo em geral facilitem bastante o trabalho. Esse provavelmente deve ser meu problema com Kubrick, metade dos diretores europeus e a quase totalidade dos diretores americanos. Mas, voltando ao ponto, Tarantino me ganha nos diálogos, e geralmente aqueles logo no começo do filme: as conversas estranhamente cativantes no começo de Reservoir Dogs ou Pulp Fiction tanto quanto aquela primeira cena dos Bastardos Inglórios, todos esses diálogos são geniais, e se é verdade que os filmes não se compõem apenas de momentos como esses é mais para não deixá-los na mesmice que por falta de capacidade. Se você prestar bem atenção vai ver que os filmes dele são, como um todo, uma grande conversa com nós que assistimos e nos divertimos. Por isso Kill Bill é o filme que acho mais sem-graça. Ele traz o melhor do diretor, exceto seus diálogos. O visual é interessante, tem bastante galhofa e bastante apelação, como qualquer filme-Tarantino, mas onde está a essência? Onde está o Mr. White para contextualizar o presente com o histórico de um monte de personagens dos quais nem mesmo sabemos os nomes? Onde está Vincent Vega para falar sobre hambúrgueres?
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E foi só um “oi!”, será que posso mesmo chamar isso de conversa?

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