Sendo assim é possível imaginar a surpresa dele quando a porta se abriu. Não tinha uma secretária desde que a que era empregada pelo avô se aposentara, alguns anos antes. De fato, ele não sabia exatamente o que fazer quando a jovem de cabelos loiros entrou no escritório, só pode imaginar que se tratava de um engano, ela deveria ter aberto a porta errada, apesar do anúncio na vidraça, no mesmo prédio existiam várias outras salas que serviam de escritórios para advogados, profissionais duvidosos e até mesmo um consultório de dentista. Ela parecia ter um sorriso perfeito, não deveria ser para o dentista. Se olharam nos olhos por alguns segundos, o reflexo do sol impedia que ele discernisse com exatidão a cor dos olhos dela, simplesmente sabia que eram claros. Era bonita, como as mulheres que vinham procurar seu avô nos tempos áureos da profissão. Ele nunca realmente acreditara nas histórias que o velho contava sobre as mulheres estonteantes que lhe traziam casos fascinantes, mas agora começava a achar que não era assim tão impossível.
No dia seguinte lá estava ele no pequeno restaurante de comida japonesa, numa praça bem agradável, comendo um donburi. No seu intimo sabia que os restaurantes haviam escolhido esse nome para não batizar o prato de Gyudon deliberadamente. Embora fossem a mesma coisa, com esse nome podiam enganar mais pessoas. O gosto não era dos melhores, era basicamente comida japonesa para quem não tinha dinheiro para comprar nada melhor. Mas ele não podia reclamar, era bem barato, e se tudo desse certo, comeria bem melhor depois de resolver esse caso.
No momento em que pôs os olhos nela soube que era a pessoa que estava procurando. Tinha semelhanças visíveis com a irmã. Os cabelos eram tanto mais longos e era um pouco mais magra. Era fácil perceber que era a mais nova. Os olhos eram azuis – será que os da mais velha também o eram? – límpidos como um lago do norte, um lago raso. Nisso viu uma diferença, os da outra eram profundos, fáceis de se afogar. Mas aqueles olhos rasos não a tornavam menos interessante, era como se a sua alma estivesse despida, sem medo. Outra coisa lhe chamou a atenção. Nas costas a moça carregava um instrumento musical. O estojo era pequeno demais para ser um contrabaixo acústico – ele tinha até mesmo dúvidas se aquela pequena criatura conseguiria carregar um – então provavelmente era um violoncelo. Ele estava tão absorto em analisa-la que deixou de lado uma das coisas essenciais quando um detetive está fazendo uma observação – uma campana – ele deixo que ela percebesse o que ele estava fazendo. Quando ela sorriu para ele não teve outra reação se não retribuir. Mas a expressão dela mudou, como se uma interrogação passasse por sua face. Ela se dirigiu até ele, e ele tentou pensar no que dizer quando ela chegasse. Ela puxou uma cadeira e se sentou. Ele não havia conseguido pensar em nada.
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Eu não costumo dar muito valor a datas comemorativas, mas tenho que admitir que essa época do ano é importante para mim. Pode parecer meio que um clichê, mas é um tempo bom para refletir sobre o que esse ano significou para mim, o que eu aprendi e coisas do tipo. Isso fica bem claro se você considerar que sempre nos fins de ano gravo Cds para as pessoas que considerei mais importantes para mim naquele ano. O valor que relaciono a essa época não esta relacionado ao natal ou mesmo ao ano novo, mas sim ao fim do ano em si, por isso costuma começar lá pela metade de novembro e acabar em algum momento das férias no qual esteja distraído demais com leituras divertidas e coisas do gênero para me preocupar com repensar as lições que aprendi. Acho que a lição mais importante que levo desse ano se relaciona a pessoas, mas não posso dizer com certeza que foi um aprendizado completamente positivo, em parte foi, sem dúvida, mas acho que acabei exagerando um pouco demais, como é do meu feitio, vocês bem devem saber. Até o começo desse ano eu era muito dependente de pessoas, na forma mais geral possível do termo. Era com elas que eu aprendia tudo, e com elas eu me divertia. Posso dizer sem muito risco que grande parte do meu dia-a-dia dependia de outras pessoas, até mesmo da aceitação delas, especialmente daquelas com as quais eu simpatizava. Eu valorizava aquilo que os outros iriam pensar muito mais do que aquilo que eu pensava. Isso me causava problemas, e desconforto, insatisfação. Alguns anos antes haviam me dito que eu não ligava para o sentimento das pessoas, o que até podia ser verdade, mas eu gostava das pessoas, como entidade abstrata que representa a humanidade pelo menos, então passei de um extremo para o outro.
Mas aí a situação fica curiosa. Apesar de tudo eu em momento nenhum deixara de ter pensamentos próprios, uma visão de mundo pessoal, já que, como muitos de vocês devem saber, eu acho que todos temos a capacidade de pensar por si mesmo, criar coisas pessoais. Pode parecer um pouco contraditório, mas não é tanto assim, muitas pessoas fazem isso. Mas acho que conforme fui, nesse ano, sendo obrigado a explicar muitas coisas nas quais acredito, desenvolveu-se em paralelo um processo no qual o carinho que tinha pelas pessoas foi diminuindo. Mesmo hoje não penso que eu sou o dono da verdade e que todas as outras pessoas estão erradas, até porque a minha filosofia de vida se baseia na crença de que eu estou fundamentalmente errado, buscando coisas impossíveis, mas que valem a pena ser buscadas, mas isso fica para outra oportunidade. Mas, ainda assim foi aumentando em mim a sensação de que todas as pessoas tem um potencial incrível para a idiotice, e para me deixar desconfortável. Recentemente, ao conversar com amigos muito queridos senti esse desconforto, e isso me alarmou bastante. Não sinto remorso algum ao constatar que uma boa quantidade de pessoas simplesmente não me faz bem, não vale o meu tempo nem o meu esforço para construir uma amizade, mas é um tanto doloroso que aquelas com as quais a amizade já está fortemente consolidada sofram com respingos de antipatia direcionados a outras pessoas. É nesse ponto que entra o tal “contrato social” que um amigo(?) gosta tanto de citar. Eu não nego a existência desse “pacto” mas para mim a natureza dele é completamente diferente da que parece ser para ele. Esse “contrato”, na minha concepção, divide as pessoas em dois grupos: aqueles que “valem a pena”, com os quais é possível se formar uma amizade verdadeira e, por isso, deve tornar as pessoas mais próximas, afinal, se sou amigo de alguém posso falar com essa pessoa sobre o que bem entender, de forma franca e leve; e as pessoas que “não valem a pena”, e essas são aquelas quais, pelo menos atualmente, eu pouco me importo com o que pensam de mim, e sem dúvida é a grande maioria das pessoas com as quais eu convivo, para com essas pessoas pouca diferença fazem os excessos de cuidado. Eu não estou dizendo que seja impossível que uma pessoa “fora do contrato” entre nele ou que aconteça o contrário, e muito menos que algumas pessoas devem ser tratadas mal, mas simplesmente que nos preocupar demais com o que as pessoas acham de nós costuma não ser algo muito bom, o que nos leva de volta às reflexões de fim de ano. Se durante um ano se vai de um extremo a outro é sinal de que alguma coisa está errada, é exatamente o tempo para repensar as nossa atitudes durante o ano –e tentar encontrar um ponto de equilíbrio - que essa época nos oferece.
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Você é minha droga. Fico inquieto quando estou em abstinência. Espero por algum sinal – qualquer sinal – enquanto leio páginas e mais páginas de livros, sem realmente prestar atenção nas palavras. Você me transformou, me viciou. Não, não, estou mentindo, já era viciado muito antes, viciado em outras pessoas, outros prazeres. Agora minha santidade me surpreende, minha pureza se conserva em meus olhos vermelhos, enquanto espero através das madrugadas uma visita, algumas poucas palavras. Meu caso, no entanto, nunca antes foi tão grave. Agora me vejo vítima de horas e horas de tédio todos os dias. Minha consideração pela humanidade se resume à minha consideração por você. Preciso de você. Mas meus apelos não fazem diferença, não importa o quanto eu peça, sei que seu espírito não me pertence, sei que não sou eu quem vai definir quando você vai me responder e como será essa resposta. Já esperei por muito tempo, nada me impede de esperar mais, de encontrar outras pessoas, pessoas que jamais vão me saciar, a não ser que ajam exatamente como você. Seria necessário muito tempo para explicar, e sem dúvida você sabe como consigo fazer com que minhas palavras percam o sentido quanto mais eu falo. Você me lê, isso me faz depender de você.
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Que bom que outras pessoas finalmente estão postando no blog! Espero que nessas férias o movimento aqui pelo Irid’s aumente. E aproveito para desejar a todos um Feliz Natal!
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