quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Pulp Literature #2

Acordei no chão, completamente nu. Já havia me acostumado a dores nas costas, meus hábitos não eram dos mais sadios, causavam torcicolo com freqüência. Uma grande mancha roxa estava no meu braço direito, perto do ombro. Um copo caíra no chão e se quebrara, diversos cacos de vidro se espalharam, alguns me cortaram, mas nada muito profundo, apenas algumas gotas de sangue no piso branco da cozinha. A cabeça também dói, mas não foi uma pancada. A toalha, também branca e também com algumas gotas de sangue em si está estendida. Ninguém deve ter me ouvido cair, e se ouviram sem dúvida pensaram que era outra coisa qualquer. Agora já começava a escurecer. Por sorte não estava com os óculos. Se bem que quase nunca estava com eles. Mas fui até o meu quanto e os coloquei, para poder pegar todos os cacos de vidro.

Depois de catados os cacos me sentei numa das pequenas cadeiras metálicas. Os últimos dias haviam sido tão estranhos. Não completamente desagradáveis, mas ainda assim estranhos. Aquela queda provavelmente queria dizer que eu não tinha vocação para Buda. Fui para a cama devagar, ainda um pouco tonto. Nem percebi quando adormeci. Quando acordei já era noite, e estava tudo um tanto silencioso, mas por ali as coisas sempre eram silenciosas, ou será que as pessoas ficam tão habituadas com os sons da cidade que depois de um tempo simplesmente não conseguem mais reconhecer o que é silêncio de verdade? Havia escolhido aquela casa exatamente por que era mais silenciosa que a minha anterior, e menor, alguém como eu não tem necessidade de casas muito grandes, isso quando precisamos de uma casa fixa. Não me importei em ver a hora. simplesmente vesti uma roupa qualquer e saí. Poderiam ser nove da noite ou três da manhã, mas não fazia tanta diferença. Ali perto havia uma pequena loja 24hrs. A loja estava vazia, apenas a atendente lia uma revista televisiva atrás do balcão. Parecia cansada, mas todas as pessoas que trabalham me parecem cansadas, ou melhor, todas as pessoas me parecem cansadas quando olho para elas, até eu mesmo. Por isso não tenho espelhos em casa. Uma coisa a menos para ser quebrada acidentalmente. Comprei vário tipos de comida de fácil preparo, por mais que não goste delas. Também alguns copos descartáveis.

A moça no balcão sorriu para mim. Tempos atrás teria visto aquilo com outros olhos, agora sabia que aquilo não queria dizer nada, só um ato um tanto mecânico. Era uma boa atendente. Mesmo sem espelhos em casa sabia que minha aparência devia estar extremamente maltratada, especialmente se alguns cacos de vidros tivessem atingido meu rosto.

Ao chegar em casa preparei alguma coisa, não sei realmente o que, não estava pensando nisso, e comi. Provavelmente isso ia me impedir de cair pelos cantos, ao menos nos próximos tempos. É estranho como esse senso de sobrevivência funciona. É como se fome, sede e atração funcionassem como um piloto automático, só não dão resultados quando são impedidos de funcionar, ou desligados, permanentemente. Voltei para a cama. e peguei a carta que estava ali no chão ao lado dela. Algumas pessoas realmente desligam o programa.

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