segunda-feira, 21 de junho de 2010

Feijoada búlgara (ou um minuto de cegueira)


"Always look on the bright side of death"
- Monty Pyton

Por Emannuel K.
Morreu José Saramago. Você provavelmente já sabe disso, já deve ter ouvido falar do ocorrido, provavelmente com mais detalhes do que eu. Já sabe que Portugal decretou dois dias de luto pra que o país honrasse o único escritor de língua portuguesa a ganhar um premio Nobel de literatura por um fim de semana. Talvez já saiba até da repercussão disso e as diferentes formas de recepção que a igreja teve do ocorrido. E se você já sabe disso tudo, caro leitor, pouco posso dizer da genialidade que ficou impressa nas páginas dos livros de Saramago. Eu mesmo não cheguei a ler toda a sua obra, seu estilo não era dos que mais me agradavam, mas ainda assim reconheço que foi um como poucos, um dos melhores, que ainda assim me agradou e me orgulhou de ter lido suas obras, de poder dizer que sou lusófono, como Saramago, mas com o sotaque um pouco diferente. Independentemente de minhas preferências literárias pessoais, tinha Saramago como maior escritor vivo de língua portuguesa, e fiquei muito surpreendido quando descobri, no mês de janeiro desse ano de 2010, que na terrinha um outro escritor concorria com o bom velhinho (não o Papai Noel, Saramago) e seu nome era Lobo Antunes. Esse sim é praticamente um desconhecido das massas brasileiras, e mesmo em círculos instruídos não são tão numerosos os que o conhecem, por já estar com uma carga de leitura considerável deixei passar a chance de conhecer o trabalho do Lobo, mas fiquei bastante intrigado desde o inicio do ano. Mas aí morre Saramago e eu sinto que se forma um vazio na nossa querida literatura. Conversando com alguns amigos discuti se seria essa a hora e vez de Lobo Antunes, se seria ele o próximo expoente da literatura lusófona, qual foi minha surpresa ao perceber que todas as respostas foram negativas e categóricas: De forma alguma, quem manda agora é Mia Couto. Esse moçambicano que ocupa uma cadeira na Academia Brasileira de Letras é, no entanto, feito de um material completamente diferente, a ponto de me espantar o fato de ser unanimidade entre aqueles com quem discuti o tema. Sobreveio então uma dúvida: seria isso culpa da pouca popularidade de Lobo Antunes no Brasil ou porque o único combustível que mantinha o escritor em páreo com Saramago era exatamente a rivalidade entre eles?
Isso leva a uma reflexão muito capciosa: a importância que o conflito entre dois pólos tem para que ambos se sobressaiam. Sem o seu fiel nenhuma balança tem utilidade, ou seja, não é possível que vejamos as qualidades de um sem que exista outro para contrapor. No caso isso funciona mais ou menos assim: Em algum tempo perdido do século passado Portugal tinha dois escritores de qualidade indiscutível, mas que por algum motivo não iam muito além da terrinha que é o dito país. Cria-se então um conflito, sempre no mais cordial dos ânimos, que coloca em conflito esses tais escritores, todos os leitores portugueses se mobilizam e tomam o partido daquele que é seu preferido. Logo, os dois escritores, motivados pela disputa, atingem seu auge criativo e então o resto do mundo não pode mais ficar alheio à literatura portuguesa. Alguns países tomam partido, mesmo que de forma não muito clara, como o Brasil, que não teve nenhum motivo para escolher o lado de Saramago, num caminho diferente do tomado por alguns países da Europa, por exemplo, ou de outros, para onde a disputa se estendeu. E então, para coroar a disputa, um dos dois ganha o Nobel, e esse você já sabe qual é. Mas aí é que está: será que sem Lobo Antunes teria Saramago ganhado o tão cobiçado prêmio? Em nenhum momento sua habilidade na escrita é posta em dúvida, assim como não ponho em questão se seria realmente Antunes um melhor escritor, como defendem alguns, mas a importância desse que foi deixado de lado pelos brasileiros na carreira do rival deve ser considerada ao menos como um fiel da balança, que acabou por pender para o lado de Saramago. Mas sem algo para contrapor o fiel também perde seu significado. Lobo Antunes corre agora o risco de voltar à condição que tinha antes de iniciar seu conflito com Saramago e ter de assistir, impotente á tomada por Mia Couto do título pelo qual disputou muito tempo: o de maior escritor vivo da língua portuguesa.

5 comentários:

  1. Gosto sim Fábio, mas o enfoque do post é outro, um pouco mais sutil...
    O Mia está como mais indicado pra receber o título exatamente porque sem o Saramago não podemos mais considerar tanto assim o Lobo Antunes. É uma situação meio esquisita pois aqui o Antunes não é tão conhecido quanto o Couto, que até figura em algumas listas de vestibular, e nem se compara com o Saramago, mas numa visão mais ampla da coisa não é bem assim. A questão está mais pra como a morte de um autor pode acarretar no fim de dois, por não existir mais rivalidade. O Mia Couto é um ótimo escritor, pra ser sincero prefiro ele ao próprio Saramago, mas ele não tinha nada com a situação até agora. Mas talvez a postagem vá em um ponto ainda mais sutil...

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  2. Claro que a discussão não é essa, foi só uma dúvida pessoal, pois, ao ler o texto, pareceu-me levemente que era tão desconfortável para você a situação do Lobo quanto a do Couto.

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  3. Não,não, desculpe se a resposta não foi das melhores. Só fiquei com medo que isso não tivesse ficado perceptível, e tentei esclarecer para outros leitores também. Se pá mais pra frente faço um post sobre o Mia Couto e aí explico direitinho o que acho dele, ok?

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  4. Não conheço nem Mia e nem Lobo.
    Mas tudo bem... fica a dica.

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