"Além disso, o inimigo começou a empregar uma nova e terrível bomba, cujo poder de destruição incalculável tem tirado a vida de muitos inocentes. Se continuássemos a lutar, isso não apenas resultaria no colapso final e na obliteração da nação japonesa, mas também levaria à extinção total da civilização humana"
Hirohito
Il Gattopardo, romance ímpar do italiano Tomasi de Lampedusa tem como âmago a trajetória de Dom Fabrizio Corbera, decadente nobre do Risorgimento retratado em sua constante derrocada como aristocrata diante das novas forças da burguesia republicana italiana. Estupefato, ele se agarra desesperadamente a prerrogativas já perdidas, ao mesmo tempo em que o casamento do sobrinho com a filha de um emergente comerciante demonstra que, a despeito dos tradicionalismos, a única maneira de sobreviver é encarar e entender a realidade, para só assim modificá-la em seu benefício. No nobre italiano, discerne-se um notável paralelo com a realidade internacional atual: é indubitável que à era da hegemonia norte-americana segue-se, atualmente, um novo período de multilateralismo, mais e mais evidente na incapacidade americana de lidar com os desafios políticos e econômicos de um mundo que reluta cada vez mais em identificar na bandeira americana uma liderança incontestável no cenário internacional. Prova maior da inépcia e ilusão acerca da liderança da flâmula ianque, a desastrosa política estadunidense com o Irã nega-se a entender a patente verdade e, tal como o nobre siciliano, encontrar vias de trabalhá-la, no caso, a favor da estabilidade geopolítica da conturbada região do Oriente Médio.
É tradicional a manutenção, em diversos níveis acadêmicos, de uma série de preconceitos e visões parciais sobre a realidade em países que fogem à órbita ocidental tradicional, especialmente os de tradição persa e árabe, colocados sob o mesmo rótulo do islamismo. Vamos aos fatos. O Irã, país que tem em sua origem a Pérsia, é um país de cada vez maior relevância no cenário econômico local: de 2004 a 2008 o PIB iraniano cresceu, em média, 3,42%. Dos seus 72 milhões de habitantes (cuja expectativa de vida é 71 anos), 82,3% são alfabetizados. As previsões econômicas, de forma geral, indicam maior dinamismo comercial com os vizinhos, bem como ampliação da influência regional, o que chama a atenção para o aspecto geopolítico iraniano. O país possui fronteiras, a oeste, com o Iraque, invadido por tropas norte-americanas, e a Turquia; a leste, com o Paquistão (detentor de artefatos atômicos), o Afeganistão (outro país sob ocupação americana); e, ainda, encontra-se nas proximidades de Rússia, China e Israel, três Estados que, comprovadamente, são detentores da bomba nuclear. Evidencia-se, assim, a complexa situação geopolítica na qual o país se encontra inserido, cercado por países com grande potencial destrutivo e, alguns deles, dominados pelo maior rival político iraniano, os Estados Unidos. É patente, nesse contexto, a urgência de procurar e desenvolver a tecnologia nuclear como poderoso instrumento de barganha local, sendo condição indispensável para sua desejada emersão como potência regional. Tais elementos são, até certo ponto, inerentes ao fato de o governo ter caráter autoritário e teocrático: mesmo as mais límpidas democracias, a exemplo de Israel, procuraram o refúgio nuclear em contextos semelhantes.
Por outro lado, a análise da situação nuclear iraniana atual demonstra com clareza os avanços já realizados nesse campo: para muitos especialistas, trata-se de uma questão de tempo – relativamente pouco, aliás – para que a nuclearização do país torne-se uma realidade, a despeito dos esforços internacionais. Nesse sentido, vale o comentário da clara ineficiência da nova (e das que porventura vierem) rodada de sanções da Organização das Nações Unidas. Historicamente, o mecanismo de isolamento via restrições econômicas raramente é eficaz, tendo em vista seu alcance limitado, por um lado, pelos interesses comerciais que certas potências, como a China, possuem com o país e, por outro, pela dificuldade da aplicação efetiva de tais medidas em um mundo onde as trocas econômicas adquiriram caráter cada vez mais dinâmico.
O cenário claramente desenhado pelas circunstâncias supracitadas não deixa dúvidas: a união da necessidade, nos conceitos de razão de Estado, para a ascensão do Irã como potência a nível local, com a possibilidade técnica para a produção de artefatos nucleares, elucida que não obstante os esforços internacionais, um Irã atômico é uma mera questão de tempo. Agarrar-se à cartilha wilsoniana da segurança coletiva não só é uma perda preciosa de tempo e de esforços: é também um perigoso instrumento de isolamento de um país que, cedo ou tarde, tornar-se-á detentor de armamentos de desmedido poder destrutivo.
O momento atual seria, dessa forma, muito mais proveitoso se utilizado para abrir canais de comunicação, formas de retirar o Irã do auto-isolamento e colocá-lo na mesa de negociações. A concretização da experiência nuclear iraniana tornará o equilíbrio político do Oriente Médio uma questão ainda mais delicada e predisposta a catástrofes: trabalhar com os novos aspectos desse equilíbrio que surgirá com a emergência dessa nova potência nuclear não é só uma proposta importante, mas a única opção no presente momento e no futuro, caso se queira evitar uma guerra de grandes proporções na região. A ameaça do cataclismo atômico, nesse sentido, suplanta até mesmo as críticas de violações de direitos humanos: há de se conversar para evitar uma tragédia ainda maior. Para além do Bem e do Mal, há uma realidade ali e, tal como Dom Fabrizio no século XIX, resta-nos encará-la, entendê-la para só assim modificá-la.
Meu orgulho! Escritores se revelando, que coisa linda.
ResponderExcluirAinda comento o seu texto adequadamente quando puder - tô fugindo dessas discussões com viés internacionalista.
Você podia assinar como Cadu mesmo... Fica mais simpático, cara.
Abraços!
discordo, assine como Carlos Eduardo mesmo. u.u
ResponderExcluire estou absolutamente feliz por te ver escrevendo, criança!
santo orgulho...
meus parabéns!